Entre batons borrados, cabelos desgrenhados e guitarras ensolaradas que contradizem toda a estética gótica, o The Cure escreveu algumas das músicas pop mais doces da década de 1980. Mas poucas brilham tanto quanto “Just Like Heaven”, faixa lançada em 1987 no álbum Kiss Me, Kiss Me, Kiss Me — uma verdadeira carta de amor disfarçada de hit radiofônico. (Via Far out Magazine)
E sim: apesar do delineador e da pose melancólica, Robert Smith também ama. E ama muito.
O truque que virou canção
“Show me, show me, show me how you do that trick” — você lembra, né? Esse verso de abertura que parece saído de um conto encantado é, na verdade, uma lembrança de infância de Smith, fascinado por truques de mágica. Mas como ele mesmo revelou depois, o verso carrega também outro significado: um momento de sedução vivenciado com sua esposa, Mary Poole, no alto dos penhascos de Beachy Head, na costa sul da Inglaterra.
Essa ambiguidade — entre o lúdico e o sensual — é justamente o que torna a faixa tão hipnotizante.
Amor (gótico) à primeira audição
Smith sabia que tinha algo especial logo de cara. “Assim que escrevi, soube que era uma boa canção pop”, disse ele à Blender. E com razão: a música é brilhante e melancólica na medida certa, como se você estivesse chorando no meio de um piquenique ensolarado. É triste, mas dá vontade de dançar. E vice-versa.
Não à toa, ele considera a faixa “a melhor música pop que o The Cure já fez”. Sem falsa modéstia.
Pop com coração (e bagunça nos bastidores)
Nos bastidores, a coisa era menos romântica: Lol Tolhurst afundava na bebida, e o próprio Smith flertava com o caos. Mas Mary foi seu porto seguro. O cantor lembra de viver com ela em um pequeno apartamento em Maida Vale, Londres, tentando manter alguma rotina para não se perder na boemia.
“A única disciplina que eu tinha era autoimposta. Me forçava a escrever 15 dias por mês. Senão, eu só ia acordar à tarde, ver TV até o pub abrir e sair pra beber.”
E foi nesse cenário — entre a autossabotagem e o amor genuíno — que nasceu “Just Like Heaven”.
Influência (in)consciente
Smith admitiu mais tarde que a base da música lembra “Another Girl, Another Planet”, da banda The Only Ones, que ele ouvia no rádio nos anos 70. A semelhança é acidental, mas o próprio reconhece: o que diferencia sua canção é a mudança sutil nos acordes, que adiciona o toque melancólico típico do The Cure.
Um clipe à altura do amor
No clipe, é a própria Mary quem dança com Robert. Nada mais justo, já que ela foi a musa inspiradora da música. “A ideia é que uma única noite como aquela vale mil horas de tédio”, disse Smith. E olha… se não é essa a definição mais pura de amor, talvez a gente esteja ouvindo os discos errados.
Uma música que te derruba (literalmente)
A letra é sobre desmaiar de amor, perder o fôlego, tropeçar nas próprias emoções. É sobre aquele tipo de paixão que te pega desprevenido, te arrasta pelo chão e ainda te deixa sorrindo. “The song’s about hyperventilating – kissing and fainting to the floor”, contou Smith.
Um tipo de vertigem que, convenhamos, só os amores verdadeiros causam.
A fórmula do The Cure em sua forma mais pura
Com guitarras cintilantes, teclados sonhadores e aquela voz embargada de ternura e ironia, “Just Like Heaven” representa o equilíbrio perfeito entre o sombrio e o pop. E marcou também o início da ascensão global da banda, especialmente nos Estados Unidos, onde finalmente começaram a ser mais do que uma banda “cult”.
A música ficou cinco semanas nas paradas britânicas e chegou à posição 29, mas seu impacto vai muito além dos rankings. Está gravada na memória afetiva de toda uma geração (e provavelmente no seu coração também, admita).
“Just Like Heaven” ainda emociona
Décadas depois, a canção continua sendo um dos grandes hinos do amor moderno: frágil, esquisito, explosivo, dançante — como só o The Cure saberia traduzir.
Ou, como Robert Smith resumiu:
“Uma noite como aquela vale mil horas de tédio.”
https://www.youtube.com/watch?v=n3nPiBai66M&list=RDn3nPiBai66M&start_radio=1