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Review Marisa Monte @ Parque Ecológico da Pampulha, Belo Horizonte – 19/10/2025

por Natalia Ferri

Ver Marisa Monte ao vivo é testemunhar o impossível: a junção entre técnica e transcendência.
Sobretudo para quem a vê pela primeira vez, a experiência ultrapassa o campo da audição e invade o território da emoção. É raro ver uma artista que consiga dominar o palco com tanta leveza, sem perder o mistério e a densidade que sempre fizeram parte de sua trajetória. E o espetáculo Phonica — uma parceria entre Marisa e o maestro André Bachur — não é apenas um show: é um ritual sonoro, uma celebração do poder da canção e da delicadeza transformada em arte.

Desde os primeiros acordes, a atmosfera era de reverência. O público, silencioso e encantado, parecia entender que estava diante de algo que vai muito além do entretenimento. Phonica é uma experiência sensorial completa — visual, auditiva e até espiritual. Cada gesto de Marisa é calculado e espontâneo ao mesmo tempo; cada nota vocal parece suspensa no ar por segundos a mais do que o tempo permitiria. É como se a música respirasse junto com ela.

A presença da orquestra é um espetáculo à parte. Sob regência precisa de Bachur, cordas, madeiras e metais dialogam com a voz de Marisa de forma quase cinematográfica. Os arranjos eruditos deram nova vida às melodias conhecidas, vestindo-as com uma roupagem majestosa, sem jamais trair sua essência popular. É impressionante como “Beija Eu”, “Vilarejo” e “Ainda Bem” soam familiares e, ao mesmo tempo, inéditas quando envoltas pelo som das cordas. Há momentos em que o público parece esquecer de respirar — tamanha é a beleza que se impõe.

E o cenário, por si só, já seria digno de um poema. O Parque Ecológico da Pampulha, com seu gramado extenso e o pôr do sol tingindo o céu de tons alaranjados, criou o enquadramento perfeito para essa celebração. Às 18h01 em ponto, a pontualidade britânica de Marisa deu início ao concerto, enquanto a luz natural cedia espaço à iluminação suave do palco. Era como se o dia se despedisse para que a música começasse.

O repertório foi um passeio generoso por sua carreira: dos clássicos que moldaram sua identidade — “Bem Que Se Quis”, “Amor I Love You”, “Ainda Lembro” — até as faixas mais recentes, em que sua sonoridade flerta com o contemporâneo sem jamais abandonar o lirismo. Cada canção recebia um novo contorno, uma nova cor, uma nova forma de emocionar. E, como se o espetáculo já não bastasse, o gran finale trouxe um presente: uma versão arrebatadora de “Carinhoso”, de Pixinguinha, interpretada com tamanha entrega que parecia uma prece.

Quando os últimos acordes se dissiparam no ar, o silêncio que veio antes dos aplausos foi quase tão bonito quanto o som. Era o tipo de silêncio que só surge quando todos sabem que acabaram de viver algo único — o silêncio da gratidão.

Ver e viver Phonica foi lindo, poético, inesquecível. Um encontro entre o erudito e o popular, entre a força e a sutileza, entre a artista e o público que a reverencia há décadas. Uma lembrança que permanecerá por muito tempo na memória — e no coração — de quem teve o privilégio de estar ali.