Lançada em 1983 no álbum Anjo Avesso, “Anunciação” é um dos maiores clássicos de Alceu Valença. Fundindo referências do agreste e do litoral — maracatu, cavalo-marinho, frevo, cantos de romaria — com imagética lírica do cotidiano (varal, quintal, sinos), a canção virou hino de chegada: do amor, da fé, da esperança e de um “novo tempo”.
A força de “Tu vens, tu vens / Eu já escuto os teus sinais” está justamente na abertura de sentidos: romântico, espiritual, político e mítico convivem sem se anular.
Desenvolvimento e composição
Alceu costuma contar que a melodia nasceu de improviso, enquanto brincava com uma flauta no quintal de casa em Olinda. O que ele via e ouvia naquele dia — roupas no varal, o sino da catedral, a rua, o vento — virou matéria poética. É por isso que a letra soa tão orgânica e cinematográfica: parece um plano-sequência da vida real traduzido em metáforas.
Significado da letra de Anunciação
“Na bruma leve das paixões que vêm de dentro / Tu vens chegando pra brincar no meu quintal”
A “bruma leve” indica algo que se anuncia antes de se revelar — sentimento que cresce de dentro para fora. “Brincar no meu quintal” desloca o grandioso para o íntimo: o milagre acontece no terreno de casa, no cotidiano. É a chegada do amor (ou da esperança) em linguagem doméstica.
“No teu cavalo, peito nu, cabelo ao vento / E o sol quarando nossas roupas no varal”
O cavaleiro é arquétipo de liberdade e travessia. “Quarar” (clarear ao sol) sugere purificação e renovação: o dia limpa os tecidos — e os afetos. O verso mistura épico e caseiro: cavalo e herói ao lado de varal e sol.
“Tu vens, tu vens / Eu já escuto os teus sinais”
Refrão-mantra que condensa o tema da antevisão: antes de ver, ouve-se. O sujeito aprende a identificar presságios — do amor, da mudança, da fé. Por isso a canção funciona em festas, procissões, casamentos e atos cívicos: é um coro de espera confiante.
“A voz do anjo sussurrou no meu ouvido / Eu não duvido, já escuto os teus sinais”
O “anjo” pode ser lido como intuição (uma voz interna) ou como imagem religiosa. O sussurro indica delicadeza da revelação: não é trombeta apocalíptica, é chamado íntimo. A dúvida cede lugar à certeza mansa.
“Que tu virias numa manhã de domingo / Eu te anuncio nos sinos das catedrais”
“Domingo” (dia sagrado) e “sinos” ampliam o íntimo ao coletivo ritual: o que chega não é só “meu”, é nosso. A boa-nova se espalha. A canção, assim, pode ser lida como romance, ato de fé ou metáfora de um novo tempo social.
(Leitura camadas) Amor, fé, política e mito convivem
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Amor: expectativa pela pessoa amada que está “a caminho”.
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Fé: o anjo/sinos sugerem anunciação no sentido espiritual (renascimento interior).
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Política: a chegada de um tempo mais livre e luminoso; por isso a música foi cantada em contextos de esperança democrática.
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Mito nordestino: o cavaleiro como mensageiro, o quintal como palco simbólico do Brasil profundo.
 
Letra de Anunciação
Popularidade e impacto cultural
“Anunciação” atravessou décadas como clássico popular: presença garantida em shows, festas juninas, bloquinhos, casamentos e procissões. O refrão virou símbolo de celebração e de recomeço, e a música segue sendo redescoberta por novas gerações, em especial em períodos de virada (formaturas, retomadas, eleições, réveillons), quando a ideia de “ouvir sinais” ganha atualidade.
Legado
A canção cristaliza o que há de mais singular em Alceu: misticismo laico, poesia do cotidiano e Brasil telúrico. “Anunciação” ensinou que o sublime pode nascer do quintal e do varal, e que o futuro chega primeiro como sussurro. Virou patrimônio afetivo do país: cada época reconhece seus próprios “sinais” nela.
O Anúncio começa por dentro
“Anunciação” é um hino de espera luminosa. Quem canta não pede: confia. Seja a chegada de um amor, de uma fé renovada ou de um tempo melhor, a canção nos lembra que o anúncio começa por dentro — e que, quando a gente aprende a escutar, o mundo inteiro toca sinos. Tu vens? Nós já escutamos os teus sinais.

