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Análise: “Sonnet” – The Verve: O amor que não rima, mas dói do mesmo jeito

Em meio à grandiosidade melódica e existencial do álbum Urban Hymns (1997), a faixa “Sonnet” aparece como um recado íntimo, sutil — quase uma carta que nunca foi enviada. Longe da pompa do título, a música é menos um soneto clássico e mais um desabafo desestruturado de alguém tentando entender o amor entre lembranças, saudade e confusão emocional.

É uma canção sobre o que poderia ter sido, sobre o que ainda é, mas principalmente sobre o que não se consegue dizer em palavras bonitas. E talvez seja justamente isso que faz dela uma das canções mais humanas e dolorosamente verdadeiras do The Verve.


📚 Título irônico: o amor sem métrica

“Sonnet” é um título que remete à forma mais refinada da poesia — um poema estruturado, simétrico, ritmado. Mas Richard Ashcroft já antecipa a quebra dessa expectativa nos versos iniciais:

“Yes, there’s love if you want it / Don’t sound like no sonnet, my lord”

É amor, sim. Mas é bagunçado, desalinhado, sem rima e sem forma. Não é aquele amor de cinema ou poesia. É o tipo que vive nas entrelinhas, nas memórias desbotadas, nas coisas que não se disseram. E que, por isso mesmo, insiste em doer.


🧠 Análise da letra: amor, memória e um vazio que não se fecha

“My friend and me / Looking through her red box of memories”

A imagem da “caixa vermelha de memórias” é poderosa. Evoca um relicário de sentimentos, cartas, talvez fotografias. É nostalgia em estado puro. Mas mais do que relembrar, o eu lírico está tentando reorganizar emocionalmente aquilo que ficou mal resolvido.

“Yes, there’s love if you want it / Don’t sound like no sonnet, my lord”

A repetição desses versos funciona quase como um refrão cansado. Uma constatação: existe amor, mas ele não é belo, não é harmônico, não é clássico. E o uso do “my lord” — repetido várias vezes — parece uma mistura de súplica, sarcasmo e reverência. É como se falasse com o próprio destino.

“Why can’t you see / That nature has its way of warning me”

Aqui, entra o instinto, o pressentimento. A intuição que avisa quando algo não vai acabar bem. O amor está presente, mas a natureza manda sinais de que ele pode machucar.

“Sinking faster than a boat without a hull”

Talvez o verso mais cru da música. É a sensação de afundar sem proteção, sem escapatória. O amor aqui não salva, afoga. É bonito, mas perigoso. E ainda assim, ele volta a sonhar:

“Dreaming about the day when I can see you there / By my side”

A esperança, mesmo depois do naufrágio, ainda flutua.


🌀 O final repetitivo: eco daquilo que nunca foi dito

Os versos finais — “By now” repetido quase em transe — funcionam como um lamento. Uma cobrança velada: “Já era pra você saber”, “já era pra ter dado certo”, “já era pra gente estar junto”. É o som do tempo passando e do sentimento parado no mesmo lugar.

A repetição, ao invés de explicar, acentua o vazio. O que deveria ter sido dito antes, agora ecoa tarde demais.

Letra de “Sonnet”

 

My friend and meLooking through her red box of memoriesFaded I’m sureBut love seems to stick in her veins you know
Yes, there’s love if you want itDon’t sound like no sonnet, my lordYes, there’s love if you want itDon’t sound like no sonnet, my lordMy lord
Why can’t you seeThat nature has its way of warning meEyes open wideLooking at the heavens with a tear in my eye
Yes, there’s love if you want itDon’t sound like no sonnet, my lordYes, there’s love if you want itDon’t sound like no sonnet, my lordMy lord
Sinking faster than a boat without a hullMy lordDreaming about the day when I can see you thereMy sideBy my side
Here we go again and my head is gone, my lordI stop to say hello‘Cause I think you should know, by nowBy nowBy nowBy nowBy nowBy nowOh, by nowOh, by nowOh, by nowOh, by nowOh, by nowOh, by nowOh, by nowOh, by now

💔 Conclusão: quando o amor não vira poesia

“Sonnet” é sobre aquele amor que nunca foi cantado com rima perfeita, mas que ficou preso na alma como uma música que se repete baixinho quando tudo silencia. É sobre memórias que apertam, desejos que não se concretizam e verdades que doem porque nunca foram ditas em voz alta.

Richard Ashcroft não escreve um soneto tradicional — ele escreve uma carta emocional que se desfaz na entrega. E nesse caos sentimental, encontramos a beleza de um amor real: imperfeito, desalinhado e, por isso mesmo, inesquecível.